novembro 11, 2004

Não Obstante, há que Arrepiar Caminho

O mutismo, o autismo, a mediocridade salóia têm sido por aqui denunciados pelos meus estimados confrades desta Torre sem eco para lá do agradável crescente número de leitores assíduos que vamos registando com profunda gratidão.
Hoje, contudo, tentarei sensibilizar para um dos muitos problemas que ainda poderemos estar a tempo de corrigir, assim o queiram os detentores dos dispersos poderezitos distribuídos à competência tribal.
Porco Preto!
Eis do que vos pretendo falar. Quem não conhece este animal nado e criado para as bandas de Barrancos e que nos chega sempre com enebriante paladar, seja em presa ibérica, secretos, os mais vulgares lombinhos e, pois está claro, o pernil de fumeiro - o presunto! Iguaria sem igual, única e nossa, nossa do Alentejo, um orgulho da gastronomia alentejana que não hesitamos em dar a provar a todo o forasteiro que ainda não o tenha degostado!
Afinal, que problema tem o nosso Porco Preto? Nenhum, por quem sóis, no nosso prato é de chorar por mais. Fora do prato, ainda dependurado no talhante é que ele é já um petisco em vias de extinção se não arrepiarmos caminho!
Comer Porco Preto a todas as refeições..., poderia ser uma tentativa, mas insuficiente e um sério atentado à saúde pública. Que fazer? Bom, sempre poderíamos explorar o nicho de talhante do dito, tentar uma vender os porcos em rede e, quiçá, montar umas banquinas nas estradas como se de melões se tratasse! Por que não, até se daria uma substancial ajuda à redução da taxa de desemprego!
Mesmo assim seria insuficiente para salvarmos o nosso Porco Preto da extinção, para não falar do anedotário que por aí viria...
Quando congeminava sobre o que fazer pelo Porco Preto lembrei-me do Prof. Daniel Bessa, não por qualquer paródia, mas por um estudo que o Governo de Durão Barroso lhe encomendou e cujas conclusões deveriam ter sido mais escalpelizadas pelos responsáveis nacionais e regionais, apresentadas com pompa e circunstância pelo próprio Primeiro-Ministro de então sob o o título "Apresentação das Conclusões do Programa para a Recuperação das Áreas e Sectores Deprimidos - " e que poderão consultar aqui em formato "pdf".
Este foi o primeiro e único estudo feito em Portugal até ao momento (ressalvo, de que tenha conhecimento) sobre o estado da nação por regiões (aconselho os mais susceptíveis, como sejam os senhores das Com e Gam Urs, a passar à frente a página 4, aliás, o mesmo que o governo que o encomendou e as conclusões parabenizou fez, estejam à vontade) e, independentemente de não estar em total acordo com as conclusões que retira sobre o Alentejo, ao qual tive ocasião de exprimir pessoalmente (sendo como é um reputado especialista em macro-economia foi induzido em erro pela constatação de elevados investimentos endereçados pelo estado, mas que bem analisados se resumiam a Alqueva e ao Aeroporto de Beja), muito se pode delá retirar em nosso proveito, nomeadamente a notoriedade da marca Alentejo e o incentivo a incrementá-la!.
Estou para aqui farto de escrever e a coisa ainda está muito enredada! Afinal o Porco Preto goza de notoriedade entre nós e não se vislumbra o que é que o Prof. Daniel Bessa possa ensinar sobre o referido bicho!
Conhecem Allan Karl? Eu também não, mas sei que tem um blogue que se chama "The Digital Tavern", no qual, no pretérito dia 31 de Outubro, escreveu sobre o nosso Porco Preto! Ou não, esperam lá, ora vejam, não, não é que o malandro, que até diz bem de Portugal, em vez de falar do nosso Porco Preto fala dum tal "Andaluscian Jamon"! E o homem não se fica por aqui:
«I made my way through the winding roads of the Sierra Morena our eyes feasted on the famous oak forests that drop the only food these free range pigs are allowed to eat -- acorns. Like Serrano ham or prosciutto from Italy, Iberico Jamon Bellota is perhaps the ultimate gourmet cured meat.
In every restaurant, cafe and even the homes of the Andaluscian people you will find a leg of pork, hoof and all, resting on a specially designed holder, typically with an oak base, that places the leg at the ideal carving position

É por estas e por outras que nós, os tais portugueses do "V Império" de que nos fala o Piotr Kropotkine deveríam agir de imediato. Primeiro impedir estes imigrantes ilegais ou turistas de pé rapado a entrada neste paraíso e ainda por cima dizerem destas mentiras; depois, porque isto de blogues não é coisa credível, não dar muita importância ao assunto - o melhor é fazer de conta que o que esse "mentecapto" escreveu num blogue, afinal, ninguém lê - desprezo absoluto e irredimível!
Mas não é o mito do "V Império" que alimenta esta Torre e muito menos os nossos compadres andaluzes! Essa é que é essa, eles não andam a comer sono. O facto é que em termos das sub-marcas que constituem uma marca a do Porco Preto, nossa já não é a não ser para o nosso umbigo. Já não é por incompetência de todos nós, alentejanos e portugueses que ainda pensamos que basta manter e mimar as boas tradições e o resto logo se verá!
Pois verá, ver-se-á que enquanto não vendermos sustentada e coerentemente a nossa marca e respectivas sub-marcas alguém o fará por nós, conduzindo-nos ao único desenlace possível - o estado de subsídio dependência - destino inevitável quando se investe apenas na produção descurando a colocação no mercado. Em qualquer empresa, seja agrícola, manufactura, de bens ou serviços, de serviçoes de limpeza ou culturais, (e desculpem mas nem todos são obrigados a conhecer estes dados), a percentagem do orçamento total para a colocação dos produtos no consumidor final, onde se incluem estudos de mercado (comportamento dos consumidores, detecção de oportunidades, alvos e nichos, relação investimento/retorno), investimento na divulgação, distribuição e comercialização terá de ser superior ae 60% do orçamento total, sob pena de estar a produzir "monos" para stock!
Este texto é dirigido a todos nós, os que se preocupam com o nosso desenvolvimento, mas em particular a essa coisa das múltiplas regiões de turismo deste Alentejo, agora associadas numa só, que, francamente, ao fim de 7 anos ainda não consegui vislumbrar o que pretendem fazer, como, com que meios e atingir que alvos e nichos!
Por isso regresso ao título, há que arrepiar caminho, pois ainda temos condições para o fazer - temos o produto, temos qualidade superior, temos mão-de-obra especializada, falta apenas, como em tudo o demais, estudar o mercado, fazer a embalagem, escolher o canal de distribuição, os pontos de venda e divulgar! Falta pouco, não é difícil mas, se não for pedir demais, entreguem o assunto a especialistas credenciados!

6 Comentários:

às 4:03 da tarde, Blogger Pedro Gomes Sanches escreveu...

Mas surpreendes-te tu, com tal referência ao porco andaluz?!

Há uns meses descobri, na Arrifana de S.João da Madeira, um restaurante fantástico para se comer carne na grelha. Entre Nacos na Pedra, Medalhões de Vitela, Picanha Brasileira, figuram os Secretos de Porco Ibérico! Mandei vir estes e perguntei ao Sr.Joaquim – o dono do estabelecimento - se aquele era Porco Preto do Alentejo. Respondeu-me que sim e que tinha ido a Barrancos pedir que lho levassem ao norte e que lá lhe responderam que não, porque os custos de manutenção das viaturas e as despesas de deslocação não compensavam tal empreitada. Perguntei-lhe então como é que ele recebia a carne? “Trazem-ma os espanhóis que contactei no Rosal!” É normal, pois, que se baptize a coisa de, no melhor, porco Ibérico ou, no pior, porco Andaluz… porque é normal também, que aos intermediários, caiba a melhor parte.

Mas já que falas da marca “Alentejo”… então e que tal o queijo Serpa?! Relegado a iniciativas atomizadas e sem estratégia de imagem? Com o raio do Limiano de muito inferior qualidade, muito melhor posicionado no mercado…

 
às 4:26 da tarde, Blogger Ilidio Soares escreveu...

Meu caro
Ainda que de Portugal só herdei o idioma e o sentimento, como brasileiro desconhecedor das questões daí, afirmo que este texto poderia ser publicado naturalmente em qualquer jornal de cá. O autismo e o estupor são os mesmos, ainda que com pequenas diferenças na apresentação dos sintomas. Meus parabéns! Ainda que, repito, dessa questão daí pouco sei, ou sabia antes de lê-lo.
abraços
Ilidio Soares

 
às 5:01 da tarde, Blogger Carlos Araújo Alves escreveu...

E pronto, lá "estiquei o pernil" para o lado que não devia!
O Emílio de Sousa tirou o presunto e pôs-me a mim no fumeiro. Com toda a razão, ao que parece (até o confrade Francisco me dá no toutiço), pelo que agradeço a correcção.
Mas atenção, também não é bem assim, às lascas no prato com uma boca de pão na mão ainda vou percebendo qualquer coisista de presuntos. Percebendo? Não, degustando.

Ora, então Pedro Sanches, em "S. João do Pau" deram-te presunto do Rosal, no "Africano"? Não é este o nome do restaurante?
Claro que o Porco Preto foi o mote para o arrazoado que ensaiei, mas pode ser aplicado ao queijo de Serpa, ao azeite de Moura (não se encontra em nenhum hipermercado do Norte que fará fora de portas), à riquíssima gastronomia alentejana, ao Cante, enfim a quase tudo que de bom temos e não "sabemos" mostrar.

 
às 9:24 da tarde, Blogger Piotr Kropotkine escreveu...

Bolas....um gajo fala de porco preto e caem logo no mel pá.... é caso pra dizer finalmente um assunto sério....

Os Andaluzes tem uma estratégia de imagem autónoma e bem estabelecida no circuito de comunicação internacional. Sem ser grande traidor... refiro só o Joachin no Pozo del Camino ao pé de Ayamonte e da Isla Cristina onde reside um negócio fabuloso de grelhados de Porco Preto... com batatas a murro e tomate que sabe a tomate mesmo...

Mas talvez contribua para o esclarecimento o paradigma dos tapetes de Arraiolos onde há décadas ouço falar do certificado... os empresários não se entendem por causa de um nível de rivalidade doentia, aliás idêntico ao que infecta os mármores de Estremoz..

O queijo de Serpa e o porco preto poderiam ser imagens fortes mas quando se fala nisso vem sempre à baila os subsidios e o apoio do Estado....de seguida vem a falta de poder de lobi do Alentejo....

Mas eu deixo o meu cinismo, porque é que os meus impostos tem de ser gastos a difundir um negócio (qualquer que seja) de que depois não beneficio dos lucros?

 
às 10:31 da manhã, Blogger Pedro Gomes Sanches escreveu...

Carlos, o Sr. Joaquim, de facto, esteve em Africa, mais concretamente na Africa do Sul. Se é conhecido ou não como o Africano não sei... O restaurante, contudo, chama-se "Mafuta". Conhece-lo?

Piotr, mas quem é que falou em usar o dinheiro dos contribuintes para, directamente, promover negócios privados? A promoção da marca cabe a associações de produtores e, quando muito, com apoio indirecto do estado.

 
às 12:50 da tarde, Blogger Carlos Araújo Alves escreveu...

Compreendo o teu cinismo, Piotr, em especial quando olhámos para o prometido, subsidiado e não realizado e do subsídio nem sabemos bem por que bolsos andou.
Daí ter ressalvado que a única forma de combater essa subsídio-dependência é tratarmos de colocar o que temos no mercado e não subsidiar sucessivamente um empreendimento que é só para dizer que lá está. Nada é sem se dar a conhecer e sem que o consunmidor sinta a necessidade ou o desejo de fruir.
Fui mais longe, penso eu, ao perguntar o que andarão, neste particular, a fazer as várias regiões de turismo!
Ir a grandes feiras internacionais pedinchar ocupação de camas em unidades hoteleiras é deitar dinheiro ao lixo. Todos o sabemos! Atraír pessoas a uma região não é com "acções de marketing" que não o são de distribuir lindíssimos "flyers" se a região nada disser às pessoas.
A montante, por que mais frutuoso, aposte-se em mostrar o que temos e que nos identifica, onde encontrar e onde comprar - era esta a ideia.
Agora trazer para cá turistas (que são aos milhares por ano) e que não saem do monte onde se intalaram porque não há nada montado para mostra é, isso sim, termos os nosso dinheiros (do turismo) ao serviço de consórcios privados internacionais de alojamento.

Abraço

 

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