novembro 06, 2004

Perplexidades

Confesso que a questão da Empresa do Aeroporto de Beja me deixou um bocado perplexo.

Julgo que a vertente de quem é nomeado ou deixa de ser nomeado para a administração, se representa interesses mais ou menos opacos ou transparentes, se é nomeado como pagamento ou cobrança de favores de lideranças regionais com ou sem expectativas de ascenção da insignificância, se têm mordomias acima da média ou da mediana, é pouco profícua. É assim! Infelizmente é assim.

Raramente neste país as pessoas são nomeadas para cargos públicos ou para-públicos por via da apreciação e mérito curricular como defendia Weber. Um dia destes verificar-se-á que alguém avança com o moto de um candidato vencedor a Prefeito da cidade de São Paulo, aqui há umas décadas atrás, e que mandou colocar cartazes que diziam "Rouba mas Realiza!" Este já quase não é um mal, é uma característica estatística saliente dos tempos... Adiante...

O que me deixa perplexo, é que não se entenda necessário fechar a porta à especulação, clarificando o que de facto aconteceu. O silêncio parece-me sinónimo de uma arrogância só possível pela total ausência de espirito crítico. Será mesmo possível que as gentes estejam inóculadas de indiferença ou descrença?

Não tendo produzido nenhuma explicação, em seu lugar, assistimos a uma bizarra discussão entre méritos e deméritos e comparações entre aerodromos e aeroportos... Perdoem-me, mas, isso é verdadeiramente patético... Pode bem ser estimulante numa qualquer classe de jardim de infância, e nessa circunstância é até um fase normal de afirmação identitária...tipo a minha é maior que a tua, ou o meu pai é mais rico que o teu...

A oportunidade perdida parece-me demasiado importante para um região inteira. Ou sub região ou outra nomenclatura que queiram utilizar, a mim pouco me importa o termo. A perda da oportunidade sim, essa é vergonhosa. Num distrito descapitalizado, parco em empreendedorismo, com desemprego, com sistemática deserção dos seus naturais, é triste que não se tenha vislumbrado que para além do imediatismo de x postos de trabalho, e de y de aumento de compras em estabelecimentos comerciais, de z% de potencial aumento do PIB regional existiam outros gradientes verdadeiramente estratégicos. O trágico, porventura, é que nem isto se vislumbrou...

Uma indústria deste tipo pode motivar efeitos de arrasto consideráveis. Poderia ter sido um dínamo... numa lógica de cluster de fornecedores de serviços à empresa polo, numa lógica de fileira, com o surgimento de fornecedores de componentes com incorporação nacional, numa lógica de desenvolvimento de actividades imateriais conexas, com protocolos de I&D, com serviços de formação profissional, com actividade de procurement, com desenvolvimento de sectores de turismo, de sectores de marketing, de turismo de qualidade...

Servindo de efeito de demonstração com capacidade de por os actores politicos à procura de outros potenciais, enfim a literatura de estratégia de desenvolvimento regional possui case studies para as pessoas procurarem soluções, a literatura de desenvolvimento tecnológico também, e depois há o mundo real, com ou sem literatura abundam casos em que uma pequena alteração destas relançou regiões...

O que parece mais ou menos evidente é que não foi nenhum quadro teórico a enquadrar uma decisão, terá sido antes o pragmatismo da ignorância? Terá sido o umbigo do interesse pessoal e mesquinho?

É pena que se tenha perdido uma oportunidade destas, infelizmente é típico...

Infelizmente aqui há muitos anos atrás, testemunhei, um pouco mais a sul do Aeroporto de Beja um caso paradigmático. Em face da queda das barreiras administrativas do condicionamento industrial, numa moagem assistiram ao desaparecimento dos clientes que até ali tinham vindo de burrico comprar venerandos ao suserrano local uma saquita de farinha para fazer um pãozinho... os clientes, esses mal agradecidos deixaram paulatinamente de aparecer. O suserrano não foi à procura deles, porque isso ficava mal a um marquês da nêspera. Veio a saber por emissários, que os malvados de Lisboa dispunham de uma frota de carrinhas que distribuiam a farinha colocando-a no monte mesmo à porta do velhote que entretanto deixara o burrito a descansar. E os manhosos de Lisboa nem sequer se ficavam por aqui, nem por sombras, tinham mesmo o descaramento de baixar o preço em dois tostões por quilo.

Cá continuaremos sentados...sem compreender muito bem porque é que a sorte é tão madrasta e porque é que temos de "penar" tanto....

1 Comentários:

às 2:50 da manhã, Blogger Carlos Araújo Alves escreveu...

Piotr
Já diversas vezes abordei este medonho episódio, mas tiro o chapéu pela excelência da assertividade deste texto.

 

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